Foi diferente. O pesadelo foi diferente. Quando abri os olhos naquela manhã, na cama de Emily, algo havia mudado. Levantei-me devagar, espreguiçando-me, e observei que dormi sem cobertas e com as mesmas roupas do dia anterior. Olhei para trás e Emily estava ao meu lado, completamente envolta nos edredons em arco-íris; ali a resposta para a falta de cobertores em meu corpo. Emily os havia puxado durante o sono.
Suspirei pesadoramente sentindo uma leve tontura. Não havia dormido direito. Altas doses de cafeína e glicose haviam afetado meu organismo de tal maneira que fora impossível relaxar meu subconsciente. Senti minha mente regurgitar informações as quais não me eram sequer decifráveis.
Levantei meu corpo com dificuldades e segui para o banheiro. Apenas arrumei os cabelos, lavei o rosto e aprumei as roupas; não me dei ao trabalho de me ver no espelho e analisar o quão horrenda estava. Voltei à sala, calcei meus sapatos, deixei um bilhete qualquer para Emily e saí porta afora.
Mesmo sonolenta, eu não pude deixar de notar que o bairro em que me encontrava era nobre, de casas grandes, e casa de Emily se diferia de todas as outras. Com toda a história que ela havia me contado ontem, eu sentia sim o meu instinto de vingança latente e atento, porém a minha consciência parecia contê-lo. Algo estava errado, e eu me encontrava completamente disposta a descobrir o que era.
Segui pedindo informações até chegar a um ponto de táxi. Custou-me voltar para casa. Depois de pagar ao taxista, examinei meu prédio. Eu tinha saudades de casa; aquela loucura me deixava em completa deselegância e, para mim, meu refúgio é o meu lar. Completamente. Cumprimentei o porteiro com um leve aceno e segui o itinerário até o apartamento em que morava, no 3º andar. Depois de passar um tempo me estressando por não encontrar as chaves na bolsa gigante, finalmente abri a porta do meu amado refúgio. Estava completamente bagunçado, como se não tivesse sido arrumado há dias. Recordei-me da última vez que vi Lissa, a empregada: três dias, ou seja, desde em que havia me ausentado. A bagunça era simples, o chão e os móveis levemente empoeirados, a flor laranja - que geralmente me aguardava brilhante no centro do lugar - morta, por não ter sido regada. Onde estava Lissa?
Fui direto refazer-me para trabalhar. O expediente começava às 8 horas em ponto e já eram 6:50. Banho rápido, prendi meus cabelos e coloquei uma roupa que me agradasse e, ao mesmo tempo, combinasse com o frio que se fazia lá fora. Arrumei a minha segunda grande bolsa, mudando as coisas rapidamente e refiz maquiagem rápida no espelho. Optei pelo básico rímel nos cílios, um leve sombreado, e deixei os lábios a mercê de um batom aperolado. O vestido era de cor púrpura, e assim foram as pérolas que coloquei no meu pescoço. As botas negras chanel ¾ faziam o trabalho de cobrir as pernas, juntamente com a meia calça grossa. Prendi os cabelos de qualquer jeito e saí de casa.
O porteiro do qual eu nunca lembrava o nome estava assistindo algum reality show na pequena TV, completamente arreganhado em seu assento. Apressei passos rápidos em sua direção:
- Senhor, sabe de uma mulher branca, mais ou menos 1,60m, bem novinha, cabelos muito claros e encaracolados? Ela trabalha no meu apartamento, no terceiro andar. – falei pausadamente, dando ficha completa, gesticulando com as mãos. Os olhos cansados do porteiro voltaram-se para mim com uma certa surpresa.
- Sei quem é. Melissa. – Ele disse entediado, ao mesmo tempo que observava minha face minuciosamente. Arqueei uma das sobrancelhas como quem não está de brincadeira.
- Pois é. Lissa. Quando foi a última vez que você a viu? – ele continuou a me olhar sem dizer nada. As vozes repassadas no reality show da pequena TV apenas esquentavam meus neurônios. – Meu querido, você vai responder ou vai ficar olhando pra minha cara? – e o homem continuou calado. Eu não estava apenas intrigada, agora eu estava realmente preocupada e irritada.
Peguei o celular na bolsa e disquei rapidamente o número que eu sabia de cor. Perdi a conta do número de vezes que liguei para Lissa pedindo para ela fazer um novo prato no jantar, recepcionar alguém, arrumar alguma coisa e achar alguma coisa que eu não lembrava onde havia deixado, principalmente.
- Alô? – a voz feminina, fina e altamente reconhecível de Lissa soou ao telefone celular.
- Lissa, sou eu, Demi. Onde você está? Estou preocupada! Esse porteiro mal-educado não quer me...
Antes que eu sequer acabasse minha frase o telefone havia sido desligado. Merda. Liguei novamente.
- Demi?
- Sim, sou eu. Você está bem? – foi a primeira coisa que perguntei.
- Eu... estou bem. – falou com uma voz rastejante. – Só que... bem, eu estava esperando sua ligação.
Estava convicta de que algo muito ruim havia acontecido. Num gesto infantil, dei língua para o porteiro e saí portão afora do meu prédio, a caminho da estação de metrô.
- O que aconteceu quando eu estava fora? – perguntei-lhe.
- Uma mulher ligou. Dizia ser sua parente e apenas me deixou a ordem de sair do apartamento. – a voz de Lissa saia trêmula pelo telefone, e eu não tinha a mínima idéia de que mulher poderia ligar para minha casa de tal maneira. Balancei a cabeça negativamente, meus passos cada vez mais tortos ultrapassando apressados os ingleses que se punham à minha frente.
- Olhe, eu estou um pouco apressada agora, e preciso de você. Você sabe disso. – falei em tom brincalhão, ouvindo-a rir tensa do outro lado da linha. – Onde você está?
- Naquele motel a 5 quadras do seu apartamento. Aquele que você me dizia para ir quando não tinha lugar para ir.
- Tudo bem. Fique por aí, eu vou ver se consigo sair mais cedo do trabalho hoje, apesar de não ser muito provável. Espere minha ligação e não volte pro apartamento. Você está me entendendo? NÃO volte!
- Sim.
- E não se assuste, é só que estou com um mau pressentimento.
- Ai meu Deus... – ela suspirou alto.
Avistei as escadas para descer o metrô e sabia que a partir dali meu celular ia começar a falhar o sinal.
- Pois bem. Te ligo depois. Cuide-se.
- Você também.
Desliguei o celular e o pus na bolsa, fazendo meu caminho até o trabalho, caducando quem diabos era a mulher que ligou para minha casa. Melissa sempre fora uma excelente trabalhadora; e eu chegava a considerá-la mais como minha secretária pessoal do que como uma empregada doméstica em si. Cuido da garota desde os 17 anos, quando me apareceu procurando emprego e sem lugar para morar. Agora ela tem seus 22 anos, apenas recusa-se a cursar o ensino superior, alegando que gosta de fazer o que faz. Praticamente minha babá, a diferença era que eu jazia anos mais velha que ela, e com um passado que nem mesmo se o universo fosse feito de borracha, eu conseguiria apagá-lo.
Seja lá quem fosse a psicopata ligando para minha casa, eu tinha esse pressentimento de que era melhor manter Lissa longe daquele apartamento. Longe de qualquer telefonema.
Quando dei por mim o meu piloto automático havia me levado direto ao prédio onde situava-se a London Music. Limpei meus pensamentos para tentar concordar a realidade presente. Joe,Ster, Emily e seus desenlaces de insanidade me aguardavam.
Entrei no elevador sozinha e apertei o 18º andar, até um arrepio frio e agradável percorrer a espinha dorsal. Mãos masculinas impediram a porta de se fechar, e logo encarei Joe com um sorriso maroto entrando no elevador e ficando ao meu lado.
Não consegui impelir o sorriso que me atingiu como uma bala feroz. Assim que a porta do elevador se fechou, entreolhamo-nos, sem saber o que fazer. Primeiro dia de trabalho desde a proposta de namoro. Não sei dizer se foi ele ou eu quem virou primeiro, o riso foi automático quando viramo-nos no mesmo momento; toquei seus ombros com as mãos ainda cobertas por metade das longas mangas. Seu corpo se aproximou do meu com extrema elegância e o tempo que tive para tomar ar foi mínimo, fechei meus olhos e apressei o encontro dos nossos rostos. O tempo não fora suficiente para que nossas respirações se chocassem e pudessem enfim fundir-se; como o pulo de um gato, lábios selaram sua sede constante em um beijo que considerei terno. À medida que passávamos um andar, o elevador apitava e informações as quais minha audição ignorava, eram passadas por uma mecânica voz feminina. Consciência, minha amiga, pedia-me insistentemente para contar os toques que indicavam cada andar a ser subido; mas de algum modo eu estava muito distraída para discernir o certo do errado, o conveniente do extremo constrangedor. Foi quando outro choque voltou a percorrer a minha circulação, acordando minhas células de seu transe, e fazendo-me (ou, melhor dizendo,forçando-me) afastar de Joe e seu beijo doce tão rapidamente que mal pude notar meus movimentos.
Meus olhos fincaram-se na pequena tela que indicava o 15º andar, e uma seta verde apontando para cima: subindo. Olhei cuidadosa para Joe, que também tinha seu olhar sereno voltado para mim. “Calma”, foi a palavra que li dos seus lábios levemente avermelhados.
- Eu estou calma. – falei quase num sussurro. – É só... ele. – frisei o pronome com repulsa, apertando o punho. Joe segurou a minha mão.
- Bipolar e imprevisível. Vou anotar isso na minha lista. – riu Joe – Não foi você que disse que ia ficar tudo bem, Demi? Já está tudo bem. E eu estou ao seu lado.
Tentei falar alguma coisa, mas além de meus argumentos serem demasiados obscuros e insanos, a porta do elevador finalmente se abriu, e a voz mecânica se declarou: “London Music, Décimo oitavo andar. Desce.”
Eu odiava a voz daquelas mulheres mecânicas blábláblá! Por que não uma voz masculina? Será que dá pra respeitar a população do sexo feminino, muito maior do que os homens? Voz de mulher às vezes me irritava. Aliás, estava me irritando bastante esses dias. Como aquele maldito telefonema o qual eu não conseguia tirar de cabeça. Ou as palavras de Emily, que me pareciam algo, definitivamente, estranho. Eu não sairia do trabalho sem sanar as minhas dúvidas.
Senti o vento de ar refrigerado, com aquele cheiro altamente reconhecível, tocar uns fios rebeldes dos meus cabelos, os quais teimavam em sair do penteado. Segurei a mão de Joe com mais força e montei a minha face matinal: sonolenta e receptiva com sorrisos breves e acenos baixos.
O primeiro olhar a ser notado foi o de Jennifer, minha fiel secretária, que vinha com seu caderninho de anotações verde polar; eu via sua boca se abrindo em câmera lenta, e lia seus lábios: “Eu não acredito!”
O pessoal das contábeis parou de mexer nas máquinas mortíferas (ou assim eu apelidei os computadores avançados). Conversas foram interrompidas, enquanto outras, não podiam parar naquele momento tão avassalador. Seria aquilo tão avassalador assim? Sentia-me como a primeira mulher a pisar na lua, sendo recebida na Terra. E eu que pensava que esse mundinho acabava no High School...
- Parabéns, celebridade. Nunca fiz tanto sucesso em minha própria empresa. – Joe disse-me em voz baixa enquanto acenava para Dominic.
- Você deve estar se divertindo mesmo com isso... – sussurrei-lhe, chamando Jen com uma das mãos.
- Mas não é divertido? – perguntou, virando-se para mim. Fiz o mesmo involuntariamente ao sentir sua respiração quente no meu pescoço.
- Claro que é. – sorri-lhe beijando o canto dos lábios. – Nos encontraremos no almoço?
- Sim, Milady. – sorriu cavalheiresco, até ser puxado por algum de seus funcionários o qual não pude identificar.
- Demetria Lovato. – a voz de Jennifer reanimou minhas células apaixonadas, fazendo-as tentar (ao menos tentar) voltar à realidade.
- Oi, oi, eu, eu. – repeti as palavras em desatino.
- Demi... – ela repetiu, com uma expressão animalesca detetive. Sorri-lhe cúmplice. – Nova York em oito dias, você precisa preparar seu discurso. Ster me pediu ontem para que você fizesse algo inovador para os nossos acionistas, de acordo com seus dons artísticos e criatividade renomada.
- Hum. – murmurei. Vi-a com seus passos rápidos em direção ao meu escritório e passei a segui-la apressada.
- Carl disse ter perdido seu projeto gráfico básico da revista, ele a espera no seu escritório nesse exato momento. Tente não matá-lo, por favor. – pausou o falatório para uma respiração sensata. Rondei meus olhar pelos cubículos, sem nem saber o por quê. – Seu vôo partirá quinta-feira, às 5 horas da tarde. Ou seja, esteja no aeroporto uma hora antes. E NÃO atrase.
- Todo mundo quer ser minha mãe... – disse-lhe avoada - Desde quando eu me atraso para compromissos importantes? – virei meu olhar desafiador para minha secretária. Ela pareceu tremer. Que besteira, era apenas um olhar desafiador. – Relaxe, Jen. Eu estava brincando. Além do mais, não tenho mais motivos para me atrasar. – soltei-lhe uma piscadela.
- Ok... – Jen disse, ainda parecendo amedrontada. – E... Você e o Joseph?
Avistei a porta do meu escritório. Apenas sorri para Jennifer quando ali me enfiei e de lá apenas saí para o necessário. No horário do almoço, tornei a ligar para Lissa. Saí do escritório com o telefone celular no ouvido apenas sustentado pelo meu ombro, enquanto as duas mãos se ocupavam em reler o relatório de Carl. Sim, mulheres têm essa capacidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo, principalmente quando são jovens, como eu.
Os passos foram automáticos até a cafeteria, mas antes que eu pudesse clicar em qualquer botão da máquina expressa, uma mão puxou-me com agilidade tamanha para me fazer virar cento e oitenta graus.
- Comida de verdade. – disse-me Joe em sua voz perfeitamente afinada para a minha audição. Arqueei as duas sobrancelhas pelo susto, e soltei todo o ar preso em meus pulmões.
- Não precisava me assustar também. – falei-lhe rindo.
- Demi? – Lissa me chamava pelo celular.
- Desculpe-me. É o Joe. Nós conversamos mais sobre aquilo quando eu chegar em casa. Agora... procure o que eles estão fazendo. – respondi ao celular, tocando o ombro de Joe como um pedido de espera.
- Pelo Centro Médico ou...?
- Sim,por esse mesmo; o outro não vai oferecer esse tipo de informação.. Preciso desligar. Beijos. – disse rápido e desliguei, encarando a expressão de um Joe confuso. Ele parecia ter ouvido a conversa toda, e sua testa franzida preocupava-me com as futuras perguntas.
- Trouxe-me o que para comer? – reverti o assunto que ainda estava para surgir. Sorri-lhe largamente e sentei em uma das cadeiras da pequena cafeteria, cruzando as pernas, olhando-o impaciente.
- Ah... – balbuciou – Sanduíches. – disse simplesmente, colocando uma sacola de cor parda no meio da mesa e sentando na cadeira da frente.
- Sanduíches? – perguntei-lhe – Isso é comida de verdade? – sorri, virando a sacola e avistando a logomarca da Burger King.
- Ta, desisto, é Fast Food. Mas é melhor do que se alimentar de cafeína, você não fica muito bem quando toma café de estômago vazio. – Joe sorriu de lado, abrindo a sacola e dividindo os sanduíches e batatas-fritas. – Bem lembro da vez que carreguei-lhe desmaiada aqui mesmo. – Ri baixinho, lembrando do fato. Ele abriu a caixinha do que eu consegui definir como um BK Stacker quádruplo e deu uma mordida enorme. Segurei o pensamento que me invadiu: ‘Que boca enorme...’ e tratei de rir para dentro; disfarcei pegando algumas batatinhas e colocando na boca.
- Você e Ster comigo desmaiada, naquela bagunça que você chama de escritório. – balancei a cabeça – Isso me soa perturbador agora. - ri, mordendo os lábios involuntariamente. Suspirei e abri um dos pacotes de Ketchup, vagarosamente pintando a batata-frita daquele vermelho.
- Bem... – ele riu um pouco mais alto – Eu pensei em coisas inadequadas naquela situação, admito. Você é tão... – ele sequer completou a frase, deu mais uma mordida no sanduíche e levantou rápido. Pegou uma Coca-Cola na máquina de refrigerantes e voltou ao seu lugar original, engolindo tudo com a básica Coca. Joe franziu a testa. – Você ficava incrivelmente linda até desmaiada.
#FLASHBACK#
A jovem mulher descansava ainda nos braços daquele que a carregava, porém ele estava sentado no sofá de dois lugares que decorava o seu escritório. Devido ao desespero, o tapete que cobria grande parte do recinto, fora puxado diversas vezes a ponto de quase embolar-se. Ster, o sócio administrativo, retirou os sapatos altos da moça; seu corpo tão maleável e torto, aqueles saltos saíram de seus pés com grande facilidade. Inevitável que a saia roxa de tecido leve aprumasse para o alto; e as pernas mantidas no linho fino da meia-calça fossem extrapolando a estética apresentável.
- Deveríamos cobrir as pernas? – Joe perguntou, engolindo em seco em sua visão.
- Eu não sei. Ainda acho que, de qualquer jeito, ela vai achar que a molestamos ou... sei lá. – disse Ster, suspirando. – Acho que ela é criativa o bastante para imaginar o que nós dois pensamos agora e nesse instante.
Demi estava ali tão bela em seus trajes de trabalho agora tão fora do comportamento habitual. Os cabelos soltos e levemente claros contrastando com a pele que pouco a pouco adquiria cor, quase imperceptivelmente. Os seus lábios estavam tão secos, como se pedissem para serem molhados. E se um dia elogiaram os olhos, precisavam vê-la com as pálpebras mostradas.
- Eu não pensei em nada! – Joe disse, colocando as mãos pro alto. – Não tenho culpa se a mulher chama atenção até quando parece estar morta. – Ele dirigiu-se à cadeira reclinável, relaxando o corpo. – Que bonitinho... – comentou irônico.
- O quê? – perguntou Ster, finalmente parando de analisar os traços da Designer.
- Você... Joe... Eu sei que só a trata mal por que tem medo do que possa acontecer quando você tentar alguma coisa. – suspirou Ster – Joe... Eu te conheço, meu garoto.
- Sei que sim. – Ster respondeu ríspido, o amigo e sócio tinha a razão. Pra variar... – Engraçado mesmo é que ela te trata bem e você fica aí torcendo o nariz e namorando a Tiff. Ster, eu sou seu amigo, Demi verus Tiff ?
Ster fechou os olhos e imprimiu os lábios numa linha fina.
- É, meu caro. Mas Demi é completamente instável e Tiff, bem, pelo menos eu sei que vai dar certo. Sabe... Com toda certeza. E a gente tem química, ela é bonita, é o suficiente.
- O suficiente. – Joe repetiu em voz baixa, voltando a olhar para a adormecida. Retirou-a de seu colo e ajeitou a cabeça em uma almofada, afastando-se, e sentando em outra cadeira ali perto.
#FLASHBACK#
- Ah claro, os dois chefões reunidos... – coloquei o resto do sanduíche na boca. – admirando os meus dotes físicos. – disse sarcástica, ainda mastigando a comida. Acho que estava meio nervosa com aquela situação.
- Você sabe que não se resume a isso. – Joe me disse com uma voz convicta, porém triste. Acabei de comer e enchi a barriga de Coca-Cola.
- Jamais educarei meus filhos com Fast-Food. – declarei, limpando a boca. Joe riu. – Eu estou falando sério! Sinto como se tivesse grávida de um Alien agora. – e ele riu ainda mais, balançando a cabeça negativamente. Ergueu um pouco o corpo sobre a mesa e aproximou-se de mim. Senti suas mãos quentes e ainda um pouco sujas de óleo tocarem as minhas, igualmente sujas e diferentemente frias.
- Não pense mal disso. – olhou-me sério. Uma tortura olhar nos olhos de um deus.
- De que, de você e Ster admirarem meus dotes físicos? – perguntei-lhe – Eu vou levar como um elogio.
- Demi... – ele chamou calmamente. Ouvi o som do elevador chegar abarrotado dos funcionários da empresa, voltando ao horário do expediente. – É só que... Deixa pra lá. Se o que ela me disse for verdade, que você vai fugir, não me deixe aqui sozinho. As coisas mudaram.
- Ela? De quem você está falando? – perguntei, segurando suas mãos em tensão. – E por que diabos eu fugiria?
- Emily. Foi o que Emily me disse hoje de manhã.
Passei um tempo silenciada, e o único som ouvinte era do pessoal chegando e se acomodando. Já sentia o perfume do namorado inebriar meu olfato, e aquele efluente parecia ativar memórias; e quantas vezes eu repetiria que Joe Jonas me fazia muito bem?
Insight. Momento de idéias rápidas e descontrole das palavras, como o vulto de um super-herói, fiz a pergunta:
- Alguma vez Emily já foi ruiva?
Ele arqueou uma das sobrancelhas perfeitamente, fazendo com que meu espectro apaixonado entrasse em guerra com o mais novo espectro: Sherlok Holmes, detetive.
- Não. – Ele fez careta. – Sempre loira, desde que eu me conheço por gente.
Sorri fraco e levantei da mesa, sendo seguida por ele. Arrumamos rapidamente a bagunça que seria jogada no lixo. Ouvi a voz de Ster bem de longe - como no fundo de uma das cabines de impressão - incentivar o começo do turno vespertino de trabalho. Joe me olhou com uma cara pedinte e, ao mesmo tempo, maliciosa.
- 19 horas.
- Não. – recusei. – Muito tarde, preciso resolver coisas em casa. 18 horas.
- Não dá, Ster enche o saco à essa hora com reunião de redatores. – ele me dizia rápido.
- 18:30h? – perguntei.
- Perfeito. No meu escritório. – ele sorriu largo, aproximando-se do meu corpo e puxando-me pela cintura naquela agilidade conhecida. Apesar de não termos nos demorado, o beijo foi o suficiente para marcar a boca de ambos, deixando nossos lábios avermelhados; como se tivessem sido devorados. E assim seguiu mais um dia no trabalho, normal até o fim do expediente.
22 horas – Escritório de Joe Jonas.
Talvez eu exagerei nas provocações, mas finalmente havia cansado Joe. Ele descansava no sofá, depois de termos experimentado vários cantinhos daquele cômodo. Também nunca pensei que ia amar o fato de o seu escritório de Boss serem um dos únicos a terem cortinas que fechavam completamente o ambiente. Emoção e adrenalina correram sem interrupções da nossa circulação, enquanto encontrávamos devassos saciando a sede diária; e ao mesmo tempo, a poucos metros, ouviam-se digitar de máquinas, chamados de bips e vozes alheias.
O computador dele estava ligado, e era minha chance de acessar os arquivos da empresa.
Como se esperasse por mim, o sistema estava logado, o que me salvaria de tentativas como hacker. Encontrei o ‘Pesquisar’ e digitei rapidamente: Emily Summers.
Quando acabei de ler tudo, havia apenas uma palavra querendo escorrer da minha boca. Acordei Joe, chamando-o para sair dali e vestir-se. Ele o fez parecendo estar no nirvana ou algo do tipo, sorria sozinho. Eu o encarava desconfiada depois do que havia lido, meu coração abatido, mas ainda apaixonado por aquele ser.
Assim que ele acabou de se vestir, dei-lhe o beijo mais carinhoso e calmo que pude proporcionar. Seus lábios movimentaram-se em completa sincronia, e os braços enlaçavam toda a minha cintura, juntando nossos corpos. Minhas mãos agarravam seu pescoço, e dali não queriam sair, pelo menos não por vontade própria.
- Tenho duas frases a te dizer, mas não farão muito sentido agora. – praticamente sussurrava, enquanto nossas testas se encontravam e os narizes frios se tocavam eventualmente – A primeira é “Resista e não haverá vingança”. A segunda, e mais importante é “Aussi”.
Então me desvencilhei de seus braços e beijei a palma da sua mão, saindo silenciosa, a não ser pelo toque dos meus saltos no chão duro. E apenas quando me vi segura e dentro de casa, tranquei a porta e finalmente pronunciei aquela uma palavra que agoniava as minhas entranhas desde que li quem era Emily Summers:
- Mentirosa.