As palavras que eram proferidas pelos lábios finos de Ster deixavam-me a cada segundo mais atordoada. Chegava a ser ridículo o que me propunha, e me impressionava saber que Joe não mexia um músculo
- Não concordo. – disse rabugenta, ao cruzar os braços – Não sou social, não tenho o dom da palavra e nem sou Barbie para ficar sorrindo o tempo todo. Eu sou a design da revista, não estou apta a uma conferência e muito menos se deve a mim a responsabilidade de salvar a empresa. Por que você não acha outra pessoa para ir?
Joe sorriu discretamente. Encarei suas íris brilhantes e não precisei me concentrar muito para perceber que ele tinha a resposta na ponta da língua. Logo, o olhar do arquiinimigo virou-se para Ster (lê-se deus grego), que suspirou fundo e pressionou os lábios um contra o outro, relaxando os ombros e virando-se para mim.
- Nós confiamos em você. – disse Ster, numa tentativa muito das espertas de me desarmar – Você é inteligente, atraente, e capaz de fazer várias coisas ao mesmo tempo.
- Pode me chamar de multifuncional também. Máquina multifuncional. Eu ganho a mais por isso, por acaso? – resmunguei irritada.
Ster riu baixinho balançando a cabeça, e a bola de ‘Vamos convencer a Demi’ passou para Joe.
- Quando você fala de arte e música, Demi, seus olhos brilham. Você se torna social, ganha o dom da palavra e fica muito pior do que a Barbie, sorrindo sem parar. – disse Joe.
- E é exatamente isso que nós precisamos nessa conferênciaem Nova York , Demi. Precisamos de alguém que impressione, que faça com que os acionistas e investidores voltem a pensar na London Music como A revista, exatamente como antes. – acrescentou Ster.
Eles queriam realmente me convencer a viajar para Nova York que, para mim, era uma cidade de fantasmas do passado, fantasmas que ainda me atormentavam; queriam que eu fosse lá, para uma tal conferência a qual faria a London Music voltar a ser a mesma, voltar com todo seu prestígio. Como faria isso? O que diria aos acionistas? O que poderia fazê-los vir? Só se eu fosse uma prostituta de luxo ou algo do tipo. Nesses momentos eu desejava ser poderosa como a Audrey Hepburn, ou como qualquer uma daquelas divas de cinema. Eu queria poder fazer aquilo tudo por eles, mas não sabia como. Antes fosse algo que eu soubesse fazer naturalmente, como desenhar, que por acaso era o meu ofício.
Definitivamente eu não era a pessoa que eles procuravam. Eu era aquela que eles desejavam, e não era para impressionar acionistas.
- Demi, nós precisamos de você – disse Joe, olhando-me nos olhos daquele jeito completamente encantador e sexy, que apenas ele era capaz de fazer. Não se voluntária ou involuntariamente, mas levei aquela frase a dois sentidos completamente distintos. – E acrescentando, eu não a considero apenas uma design.
Devido à ansiedade e ao turbilhão de pensamentos que faziam prós e contras na minha mente, passei a arranhar levemente meus joelhos descobertos, fazendo caminhos tortos, dispersa. Isso atraiu os olhos de Joe que, ao meu lado, desceu seu olhar maliciosamente para a tensão das minhas pernas, inspirando o ar profundamente. Eu senti certo conforto com aquilo, era bom ser desejada, bom demais. Desejada e respeitada... Digo, esquecendo a parte do respeitada; suspirei fundo ao notar que finalmente havia chegado à minha conclusão.
- Só pode ser um complô. – falei finalmente, a testa franzida em desconforto. – Eu quero um extra por isso.
- Isso é um sim? – perguntou Ster, e eu assenti, balançando a cabeça positivamente e rolando os olhos.
- Birrenta – disse Joe, e eu notei sua voz muito próxima, sua respiração tocando no meu pescoço. Logo, senti seus lábios depositando um demorado beijo em meu pescoço e não demorou para que uma de suas mãos segurassem meu queixo e virassem para o rosto dele. Numa bipolaridade incrível, eu via o rosto dele com uma calma impassível. Decorava cada traço, cada curva, cada toque de perfeição; lia os poros da sua pele, os pontos de barba, as sobrancelhas desajeitadas. Os olhos e boca eram minhas perdições mais impuras, mais viciantes; eu podia passar horas apenas observando-o, e mais horas ainda beijando-o; talvez anos delirando nos braços dele. Acordando-me de meu súbito derretimento, Ster pigarreou, mas não por isso eu ou Joe paramos no que estávamos prestes a fazer.
Eu podia sentir meu ego gozar, o poderio vingativo havia o alimentado naquele momento. Ster ia sentir a dor que senti quando o vi com Tiff, diversas vezes, até mesmo naquela festa. Ele ia ver que havia perdido para o Coringa: Era uma vez Gotham City, eu estava dominada.
Beijei suavemente os lábios de Joe num selinho demorado, apaixonado, puxando o ar com mais força pelas minhas narinas. Mesmo com o aroma avassalador do perfume de Joe, eu ainda sentia, longinquamente, um outro perfume, do outro chefe. Mais presente ainda, era cheirinho de vingança, tão deliciosa vingança. Segurei o rosto de Joe para separar-nos antes que ele resolvesse fazer mais alguma coisa indecente na frente de Ster, como um beijo de verdade. Eu ansiava por sua língua quente, mas não tardei a me afastar – com um breve sorriso – e voltar à posição normal.
- Pornografia – bufou e reclamou Ster, abrindo uma gaveta em sua escrivaninha e pegando alguns papéis.
Por mais que tivesse saciada com uma vingança boba, no fundo do meu coração de neve e gelo, sentia certa clemência por Joe. Mas ele merecia aquilo. Quem havia me tratado com tamanha arrogância e prepotência fora ele. Quem havia me feito de gato e sapato fora ele; quem havia judiado da minha paciência e do meu trabalho fora ele. Quem havia negligenciado os meus sentimentos e necessidades humanas, mais uma vez, fora ele. Era um merecedor de cada estocada de ciúme que poderia corroer suas células.
Olhei para Joe e avistei-o sorrir bobo. Era engraçada sua expressão; principalmente para mim, que mal me acostumava com um Joe divertido. Ele ainda me parecia como um muro, um grande muro; eu não sabia quem era ele, ou melhor, qual dos dois Joe que conheci era realmente ele. Tanto tempo com um chefe insuportável e algumas horas com um cara apaixonante, muito mais do que aparência e charme.
- Então, Srta. Lovato... Já enviei à sua secretária as passagens de ida e volta. Serão três dias lá e, como agradecimento de nossa parte, digo, da parte da Music London, estamos oferecendo-a um dia de folga, onde poderá andar pela Big Apple sem compromissos.
- Obrigada por isso.
- É apenas política de empresa. – Ster respondeu friamente.
- Obrigada, política de empresa. – agradeci brincalhona e vi Ster esforçar-se para manter a pose. Diga-se de passagem, eu achava aquela pose dele bem insuportável.
- Você parte daqui a onze dias, ou seja, na quarta-feira da semana que vem. O resto das informações eu já passei para Jen e ela lhe passará mais detalhadamente.
- Tudo bem.
Alguns constrangedores segundos de silêncio permaneceram na climatizada sala, e eu encarava minhas mãos, só para não ter que subir o olhar para qualquer um deles. Assustava-me.
- E... Joe não sabia dessa história não? – perguntei, lutando contra o ar sombrio e pesado que se instalava quando nós três estávamos juntos.
- Não, por isso que ele está aqui. – disse Ster ríspido.
- Hum...Entendo. – falei baixinho. Juntando as informações acabei por notar que aqueles elogios feitos a pouco haviam sido completamente espontâneos da parte do meu chefe. Que... Meigo?
Faltei engasgar com o adjetivo utilizado. Não suportava relações melosas demais, palavras melosas demais. Grude. Eca.
Relaxei os ombros e então me coloquei melhor na cadeira, ajeitando a saia improvisada para baixo.
- Então é isso. Conferência, viagem na quarta-feira, informações com Jen. – falei pausadamente – Espera, eu vou sozinha?!
- Bem, nós ainda vamos decidir isso. Estou pensandoem deixar Emily ir com você, mas não sei ainda, as despesas...
- Eu não quero ir sozinha. Eu não vou sozinha. Arranje-me companhia.
- Você não deu essa condição antes, agora já aceitou ir! – resmungou Ster, sério.
- Aceitei ir, mas posso voltar atrás e recusar. A condição é essa e se você não quiser, problema é todo e completamente seu. – ralhei.
- Meu e do seu outro chefe. – ele falou com uma cara de superior.
- Seu e do meu outro chefe, exatamente. Trabalho é trabalho, não vamos confundir as coisas, não é, Ster? Afinal, você é que é o especialista nisso.
- O que você quer dizer com isso, Demi? – perguntou, a fúria transparecendo em suas feições.
Joe assistia aquilo com certa dose de divertimento em sua expressão.
- Ora ora, mais dissimulação? Como então Tiff anda sendo promovida? Tenho certeza que não é pela excepcionalidade de seus textos. – disse, ainda querendo jogar na cara dele a semana passada, mas orgulhosa demais para tanto.
- Você está sugerindo que...
- Não estou sugerindo, Ster, meu velho amigo. – interrompi-o – Estou afirmando, jogando na sua cara a mais pura verdade. Verdade não é uma coisa em que você esteja muito acostumado, não é?
- Joe, controle sua mulher. – murmurou Ster para Joe, que apenas sorria.
- Ela não pertence a mim... ainda. Para quê controlar essa fera? Ela está me seduzindo desse jeito, não é Demi? – sorriu largamente – irritada e birrenta. Um amor de mulher.
“É que você irritada fica uma gracinha!” Recordei-me da sua frase hilária.
- Deixe Joe fora disso. Você pode ser meu chefe e eu sua subordinada, mas eu não sou escrava e muito menos sou otária para não notar seu joguinho. E meu instinto capitalista me informa que você devia aceitar minhas condições se ainda quer ganhar alguma coisa com essa revista.
Ster bufou fortemente, bagunçando os cabelos com uma das mãos numa atitude de desespero.
- Ok, Demi, que seja. Sorri vitoriosa.
- Mais alguma coisa, Ster ?
- Senhor Knight...
- Ster. – repeti, fazendo-o rolar os olhosem desaprovação.
- Não , minha cara Demi, pode ir. – disse ele, frisando bem o meu apelido. Por mais que havia sido posto com certa ironia, eu ainda podia ouvir sua voz pronunciando meu apelido daquele modo carinhoso, cauteloso. Antes disso tudo. Também sentia-me estranha por estar invertendo os papéis, ora tratando Joe bem e Ster mal, ora tratando Joe mal e Ster bem. Apenas confundia-me cada vez mais. Inspirei todo ar possível e soltei-o devagar, levantando-me da cadeira.
- E esses papéis, Ster? – Joe perguntou, enquanto ainda levantava-se.
Ster olhou para os papéis em sua mão e fez uma expressão de surpresa.
- Ah, sim, é claro. – disse – Estes são para você. – entregou-me uma leva – e estes para você, sócio. Examinei os papéis que havia recebido e percebia que eram os folhetos da conferência, fotos e críticas sobre as passadas, além de orientações.
- Obrigada. – disse sincera com um breve sorriso nos lábios.
- De nada, Demi. – Ster respondeu baixinho.
Os próximos minutos que se sucederam houve uma das despedidas mais tensas que já participei e, salva pelo gongo (lê-se Emily), consegui sair de lá viva e inteira. Eu e Joe descemos juntos o elevador até a garagem, e então eu notei que estávamos, digamos, seguindo os mesmos passos. Não tinha noção de quais seriam as próximas ações, principalmente quando estas se referiam a mim. Derrotando meu orgulho idiota e deixando de lá minha fome pelo controle da situação, perguntei:
- Chefe, posso saber onde estamos indo? – perguntei parando de andar. Joe virou o rosto para mim, meio que me medindo; eu estranhei.
- Aqui em cima, Joe. – disse rindo e acenando. Ele finalmente tirou os olhos do meu corpo para sorrir e olhar nos meus olhos. Perdi-me naqueles globos devastadoramente apaixonantes e sorri sem graça, retribuindo.
Ele veio para perto de mim, maroto, e segurou minha cintura com as duas mãos, puxando o meu corpo para o seu, forçando um choque mecânico que fez todas as minhas células tremerem; satisfeitas. Num processo antagônico se comparado ao outro chefe, este era capaz de fazer com que o ar dançasse feliz nos meus pulmões, e eu sentia meu sangue mais puro, mais limpo; sentia meu coração borbulhar. O outro era exata e coincidentemente o contrário: o ar não entrava, o sangue não pulsava e meu coração não dava qualquer sinal de vida; era como um choque epiléptico, estático, imóvel, inconsciente.
- Nós vamos para onde você quiser. – sussurrou em meu ouvido. Tirou os cabelos do pescoço, explicitando a pele lisa e vulnerável, deslizando seus lábios quentes e sua respiração descompassada por toda aquela extensão. Comprimi um gemido, apenas sendo capaz de suspirar pesadoramente, a boca semi-aberta.
- Hum... Eu estou com fome. – disse, tomando ar e me separando.
- Ah, claro... – ele disse, um pouco desapontado. Sorri levemente enlaçando meus braços em seu pescoço.
- Eu preciso de energia, meu caro chefe. Sem energia não há trabalho, certo?
Joe sorriu malicioso e beijou-me com fúria, apertando meu corpo contra o seu com cada vez mais força. Coloquei uma das mãos sobre seus cabelos, puxando-os, guiando-o naquele beijo de tirar o fôlego. A língua dele invadia cada canto livre da minha boca; sua saliva me drogava, era calorosamente viciante.
Separamo-nos com certa resistência, ainda deixando nossos narizes tocarem-se e nossas respirações ofegantes fundirem-se. Joe sugou demoradamente meu lábio inferior, finalizando com uma mordida leve, sorrindo daquele jeito galanteador.
- Eu acho que tenho um lugar para te levar. – disse, desvencilhando-se de minha boca e me abraçando de lado pela cintura.
- Que lugar? – perguntei, começando a andar em direção à sua divina Land Rover, meu braço rodeando sua cintura.
- Segredo. – disse Joe colocando o dedo indicador sobre os lábios. O eco do meu salto batendo contra o concreto era o único som ouvido naquela garagem estranhamente silenciosa. Havia muito poucos carros estacionados, o que era plausível num dia de fim de semana ao meio-dia, visto que estávamos em um prédio comercial. Suspirei fundo, soltando o ar com força, relaxando meus músculos tensos.
- O que foi? – perguntou.
- Nada.
- Vamos fazer assim, eu vou te perguntar de novo e você me responde a verdade. – ele disse sério – O que foi?
- Nada que...
- Demi, confiaem mim. Eu não sou mais um monstro. – falou com as sobrancelhas clementes. Deixei meu olhar descansar no seu, procurando conforto.
- Eu só estava percebendo que hoje é fim de semana, há poucos carros na garagem e...
- É a conferência, não é? – perguntou-me, parando de andar. Seu carro já estava na nossa frente. Encostei-me no capô, baixando a cabeça. Será que pelo fato de eu ter mergulhado em seus olhos ele acabou por ler a minha mente?
- É meio problemática essa história, mas eu não queria conversar sobre isso. – sorri fraco – Diga-me, quais são seus planos?
Joe sorriu discretamente. Encarei suas íris brilhantes e não precisei me concentrar muito para perceber que ele tinha a resposta na ponta da língua. Logo, o olhar do arquiinimigo virou-se para Ster (lê-se deus grego), que suspirou fundo e pressionou os lábios um contra o outro, relaxando os ombros e virando-se para mim.
- Nós confiamos em você. – disse Ster, numa tentativa muito das espertas de me desarmar – Você é inteligente, atraente, e capaz de fazer várias coisas ao mesmo tempo.
- Pode me chamar de multifuncional também. Máquina multifuncional. Eu ganho a mais por isso, por acaso? – resmunguei irritada.
Ster riu baixinho balançando a cabeça, e a bola de ‘Vamos convencer a Demi’ passou para Joe.
- Quando você fala de arte e música, Demi, seus olhos brilham. Você se torna social, ganha o dom da palavra e fica muito pior do que a Barbie, sorrindo sem parar. – disse Joe.
- E é exatamente isso que nós precisamos nessa conferência
Eles queriam realmente me convencer a viajar para Nova York que, para mim, era uma cidade de fantasmas do passado, fantasmas que ainda me atormentavam; queriam que eu fosse lá, para uma tal conferência a qual faria a London Music voltar a ser a mesma, voltar com todo seu prestígio. Como faria isso? O que diria aos acionistas? O que poderia fazê-los vir? Só se eu fosse uma prostituta de luxo ou algo do tipo. Nesses momentos eu desejava ser poderosa como a Audrey Hepburn, ou como qualquer uma daquelas divas de cinema. Eu queria poder fazer aquilo tudo por eles, mas não sabia como. Antes fosse algo que eu soubesse fazer naturalmente, como desenhar, que por acaso era o meu ofício.
Definitivamente eu não era a pessoa que eles procuravam. Eu era aquela que eles desejavam, e não era para impressionar acionistas.
- Demi, nós precisamos de você – disse Joe, olhando-me nos olhos daquele jeito completamente encantador e sexy, que apenas ele era capaz de fazer. Não se voluntária ou involuntariamente, mas levei aquela frase a dois sentidos completamente distintos. – E acrescentando, eu não a considero apenas uma design.
Devido à ansiedade e ao turbilhão de pensamentos que faziam prós e contras na minha mente, passei a arranhar levemente meus joelhos descobertos, fazendo caminhos tortos, dispersa. Isso atraiu os olhos de Joe que, ao meu lado, desceu seu olhar maliciosamente para a tensão das minhas pernas, inspirando o ar profundamente. Eu senti certo conforto com aquilo, era bom ser desejada, bom demais. Desejada e respeitada... Digo, esquecendo a parte do respeitada; suspirei fundo ao notar que finalmente havia chegado à minha conclusão.
- Só pode ser um complô. – falei finalmente, a testa franzida em desconforto. – Eu quero um extra por isso.
- Isso é um sim? – perguntou Ster, e eu assenti, balançando a cabeça positivamente e rolando os olhos.
- Birrenta – disse Joe, e eu notei sua voz muito próxima, sua respiração tocando no meu pescoço. Logo, senti seus lábios depositando um demorado beijo em meu pescoço e não demorou para que uma de suas mãos segurassem meu queixo e virassem para o rosto dele. Numa bipolaridade incrível, eu via o rosto dele com uma calma impassível. Decorava cada traço, cada curva, cada toque de perfeição; lia os poros da sua pele, os pontos de barba, as sobrancelhas desajeitadas. Os olhos e boca eram minhas perdições mais impuras, mais viciantes; eu podia passar horas apenas observando-o, e mais horas ainda beijando-o; talvez anos delirando nos braços dele. Acordando-me de meu súbito derretimento, Ster pigarreou, mas não por isso eu ou Joe paramos no que estávamos prestes a fazer.
Eu podia sentir meu ego gozar, o poderio vingativo havia o alimentado naquele momento. Ster ia sentir a dor que senti quando o vi com Tiff, diversas vezes, até mesmo naquela festa. Ele ia ver que havia perdido para o Coringa: Era uma vez Gotham City, eu estava dominada.
Beijei suavemente os lábios de Joe num selinho demorado, apaixonado, puxando o ar com mais força pelas minhas narinas. Mesmo com o aroma avassalador do perfume de Joe, eu ainda sentia, longinquamente, um outro perfume, do outro chefe. Mais presente ainda, era cheirinho de vingança, tão deliciosa vingança. Segurei o rosto de Joe para separar-nos antes que ele resolvesse fazer mais alguma coisa indecente na frente de Ster, como um beijo de verdade. Eu ansiava por sua língua quente, mas não tardei a me afastar – com um breve sorriso – e voltar à posição normal.
- Pornografia – bufou e reclamou Ster, abrindo uma gaveta em sua escrivaninha e pegando alguns papéis.
Por mais que tivesse saciada com uma vingança boba, no fundo do meu coração de neve e gelo, sentia certa clemência por Joe. Mas ele merecia aquilo. Quem havia me tratado com tamanha arrogância e prepotência fora ele. Quem havia me feito de gato e sapato fora ele; quem havia judiado da minha paciência e do meu trabalho fora ele. Quem havia negligenciado os meus sentimentos e necessidades humanas, mais uma vez, fora ele. Era um merecedor de cada estocada de ciúme que poderia corroer suas células.
Olhei para Joe e avistei-o sorrir bobo. Era engraçada sua expressão; principalmente para mim, que mal me acostumava com um Joe divertido. Ele ainda me parecia como um muro, um grande muro; eu não sabia quem era ele, ou melhor, qual dos dois Joe que conheci era realmente ele. Tanto tempo com um chefe insuportável e algumas horas com um cara apaixonante, muito mais do que aparência e charme.
- Então, Srta. Lovato... Já enviei à sua secretária as passagens de ida e volta. Serão três dias lá e, como agradecimento de nossa parte, digo, da parte da Music London, estamos oferecendo-a um dia de folga, onde poderá andar pela Big Apple sem compromissos.
- Obrigada por isso.
- É apenas política de empresa. – Ster respondeu friamente.
- Obrigada, política de empresa. – agradeci brincalhona e vi Ster esforçar-se para manter a pose. Diga-se de passagem, eu achava aquela pose dele bem insuportável.
- Você parte daqui a onze dias, ou seja, na quarta-feira da semana que vem. O resto das informações eu já passei para Jen e ela lhe passará mais detalhadamente.
- Tudo bem.
Alguns constrangedores segundos de silêncio permaneceram na climatizada sala, e eu encarava minhas mãos, só para não ter que subir o olhar para qualquer um deles. Assustava-me.
- E... Joe não sabia dessa história não? – perguntei, lutando contra o ar sombrio e pesado que se instalava quando nós três estávamos juntos.
- Não, por isso que ele está aqui. – disse Ster ríspido.
- Hum...Entendo. – falei baixinho. Juntando as informações acabei por notar que aqueles elogios feitos a pouco haviam sido completamente espontâneos da parte do meu chefe. Que... Meigo?
Faltei engasgar com o adjetivo utilizado. Não suportava relações melosas demais, palavras melosas demais. Grude. Eca.
Relaxei os ombros e então me coloquei melhor na cadeira, ajeitando a saia improvisada para baixo.
- Então é isso. Conferência, viagem na quarta-feira, informações com Jen. – falei pausadamente – Espera, eu vou sozinha?!
- Bem, nós ainda vamos decidir isso. Estou pensando
- Eu não quero ir sozinha. Eu não vou sozinha. Arranje-me companhia.
- Você não deu essa condição antes, agora já aceitou ir! – resmungou Ster, sério.
- Aceitei ir, mas posso voltar atrás e recusar. A condição é essa e se você não quiser, problema é todo e completamente seu. – ralhei.
- Meu e do seu outro chefe. – ele falou com uma cara de superior.
- Seu e do meu outro chefe, exatamente. Trabalho é trabalho, não vamos confundir as coisas, não é, Ster? Afinal, você é que é o especialista nisso.
- O que você quer dizer com isso, Demi? – perguntou, a fúria transparecendo em suas feições.
Joe assistia aquilo com certa dose de divertimento em sua expressão.
- Ora ora, mais dissimulação? Como então Tiff anda sendo promovida? Tenho certeza que não é pela excepcionalidade de seus textos. – disse, ainda querendo jogar na cara dele a semana passada, mas orgulhosa demais para tanto.
- Você está sugerindo que...
- Não estou sugerindo, Ster, meu velho amigo. – interrompi-o – Estou afirmando, jogando na sua cara a mais pura verdade. Verdade não é uma coisa em que você esteja muito acostumado, não é?
- Joe, controle sua mulher. – murmurou Ster para Joe, que apenas sorria.
- Ela não pertence a mim... ainda. Para quê controlar essa fera? Ela está me seduzindo desse jeito, não é Demi? – sorriu largamente – irritada e birrenta. Um amor de mulher.
“É que você irritada fica uma gracinha!” Recordei-me da sua frase hilária.
- Deixe Joe fora disso. Você pode ser meu chefe e eu sua subordinada, mas eu não sou escrava e muito menos sou otária para não notar seu joguinho. E meu instinto capitalista me informa que você devia aceitar minhas condições se ainda quer ganhar alguma coisa com essa revista.
Ster bufou fortemente, bagunçando os cabelos com uma das mãos numa atitude de desespero.
- Ok, Demi, que seja. Sorri vitoriosa.
- Mais alguma coisa, Ster ?
- Senhor Knight...
- Ster. – repeti, fazendo-o rolar os olhos
- Não
- E esses papéis, Ster? – Joe perguntou, enquanto ainda levantava-se.
Ster olhou para os papéis em sua mão e fez uma expressão de surpresa.
- Ah, sim, é claro. – disse – Estes são para você. – entregou-me uma leva – e estes para você, sócio. Examinei os papéis que havia recebido e percebia que eram os folhetos da conferência, fotos e críticas sobre as passadas, além de orientações.
- Obrigada. – disse sincera com um breve sorriso nos lábios.
- De nada, Demi. – Ster respondeu baixinho.
Os próximos minutos que se sucederam houve uma das despedidas mais tensas que já participei e, salva pelo gongo (lê-se Emily), consegui sair de lá viva e inteira. Eu e Joe descemos juntos o elevador até a garagem, e então eu notei que estávamos, digamos, seguindo os mesmos passos. Não tinha noção de quais seriam as próximas ações, principalmente quando estas se referiam a mim. Derrotando meu orgulho idiota e deixando de lá minha fome pelo controle da situação, perguntei:
- Chefe, posso saber onde estamos indo? – perguntei parando de andar. Joe virou o rosto para mim, meio que me medindo; eu estranhei.
- Aqui em cima, Joe. – disse rindo e acenando. Ele finalmente tirou os olhos do meu corpo para sorrir e olhar nos meus olhos. Perdi-me naqueles globos devastadoramente apaixonantes e sorri sem graça, retribuindo.
Ele veio para perto de mim, maroto, e segurou minha cintura com as duas mãos, puxando o meu corpo para o seu, forçando um choque mecânico que fez todas as minhas células tremerem; satisfeitas. Num processo antagônico se comparado ao outro chefe, este era capaz de fazer com que o ar dançasse feliz nos meus pulmões, e eu sentia meu sangue mais puro, mais limpo; sentia meu coração borbulhar. O outro era exata e coincidentemente o contrário: o ar não entrava, o sangue não pulsava e meu coração não dava qualquer sinal de vida; era como um choque epiléptico, estático, imóvel, inconsciente.
- Nós vamos para onde você quiser. – sussurrou em meu ouvido. Tirou os cabelos do pescoço, explicitando a pele lisa e vulnerável, deslizando seus lábios quentes e sua respiração descompassada por toda aquela extensão. Comprimi um gemido, apenas sendo capaz de suspirar pesadoramente, a boca semi-aberta.
- Hum... Eu estou com fome. – disse, tomando ar e me separando.
- Ah, claro... – ele disse, um pouco desapontado. Sorri levemente enlaçando meus braços em seu pescoço.
- Eu preciso de energia, meu caro chefe. Sem energia não há trabalho, certo?
Joe sorriu malicioso e beijou-me com fúria, apertando meu corpo contra o seu com cada vez mais força. Coloquei uma das mãos sobre seus cabelos, puxando-os, guiando-o naquele beijo de tirar o fôlego. A língua dele invadia cada canto livre da minha boca; sua saliva me drogava, era calorosamente viciante.
Separamo-nos com certa resistência, ainda deixando nossos narizes tocarem-se e nossas respirações ofegantes fundirem-se. Joe sugou demoradamente meu lábio inferior, finalizando com uma mordida leve, sorrindo daquele jeito galanteador.
- Eu acho que tenho um lugar para te levar. – disse, desvencilhando-se de minha boca e me abraçando de lado pela cintura.
- Que lugar? – perguntei, começando a andar em direção à sua divina Land Rover, meu braço rodeando sua cintura.
- Segredo. – disse Joe colocando o dedo indicador sobre os lábios. O eco do meu salto batendo contra o concreto era o único som ouvido naquela garagem estranhamente silenciosa. Havia muito poucos carros estacionados, o que era plausível num dia de fim de semana ao meio-dia, visto que estávamos em um prédio comercial. Suspirei fundo, soltando o ar com força, relaxando meus músculos tensos.
- O que foi? – perguntou.
- Nada.
- Vamos fazer assim, eu vou te perguntar de novo e você me responde a verdade. – ele disse sério – O que foi?
- Nada que...
- Demi, confia
- Eu só estava percebendo que hoje é fim de semana, há poucos carros na garagem e...
- É a conferência, não é? – perguntou-me, parando de andar. Seu carro já estava na nossa frente. Encostei-me no capô, baixando a cabeça. Será que pelo fato de eu ter mergulhado em seus olhos ele acabou por ler a minha mente?
- É meio problemática essa história, mas eu não queria conversar sobre isso. – sorri fraco – Diga-me, quais são seus planos?
*
As nuvens pairavam no céu, esse pincelado com seu cinza triste. O cheiro do mar – e dos sais ali dissolvidos - era extasiante, principalmente por se fundir com o perfume de Joe, que estava ao meu lado. Estávamos em uma praia praticamente deserta; Joe havia dirigido algumas horas para que chegássemos àquele lugar divino, e tenha certeza de que ele teve alguns vários problemas para me convencer a fazer isso, a vir aqui. Meu argumento ‘Eu tenho que trabalhar na segunda’ foi simplesmente vencido por ‘Eu sou seu chefe, quem manda sou eu.’ – e nada de pensar que para mim aquilo não fora bom. Um fim de semana numa praia com Joe, my boss. Eu não me importava que ele tivesse sendo mandão e blá blá blá, para mim tudo estava ótimo; incrivelmente ótimo. O horário, bem, eu arriscaria umas cinco horas da tarde. O sol já não sobressaia às nuvens e logo ele não estaria mais lá, o dia escurecia; os postes da periferia já estavam ligados, iluminando as vielas que se faziam por entre o chão de pedras.
A água do mar era escura, esverdeada e mastigava dolorosamente as pedras, debatendo-se contra elas. Nessas pedras ante o mar raivoso estávamos sentados eu e ele; na mesma posição, pernas esticadas, braços suportando os pesos para que não caíssemos para trás. Meus saltos urbanos e os sapatos sociais do meu chefe estavam descansados sobre um pequeno banco de areia branca ali perto. Meus cabelos dançavam esvoaçantes, caindo em meu rosto; Joe tirou os fios que ricocheteavam minha pele facial, forçando os dedos ásperos suavemente sobre minhas bochechas:
- Gostou daqui? – perguntou.
- É lindo – respondi, deixando um sorriso invadir meus lábios secos - Obrigada por me mostrar isso aqui. – acrescentei.
Enxergando-o com minha visão periférica, senti seu rosto virar para o meu.
- De nada – disse ele dando de ombros e voltando a encarar a paisagem. Suspirei fundo, deixando o ar limpo do vento frio e forte – que se debatia contra meu corpo – entrar em meus pulmões.
- Eu gosto desse cheiro. – comentei – de mar, de sal, de água, de palmeira... e de pedra úmida.
- Também gosto. – disse sorrindo, provavelmente surpreso com minha capacidade de distinguir tais perfumes – Costumo vir aqui aos fins de semana, sabe... Para espairecer.
Lembrei-me de que Joe quase nunca comparecia à impressão da revista, então era aqui que ele vinha. Interessante.
- O único lugar o qual costumo sair para espairecer começa com P e termina com B, tem três letras.
- Pub?
- Garotinho esperto, você. – ri – Isso mesmo.
- Nem sabia que você costumava beber, é sempre tão politicamente correta. – disse Joe, arqueando perfeitamente uma das sobrancelhas. Virei meu rosto para ele e passamos a nos encarar.
- A bebida me dá a felicidade instantânea e amigos, esses que nunca tive. – disse simplesmente, lutando contra a hipnose dos seus olhos – é só uma válvula de escape, mas não a uso muito frequentemente.
- Logo você? Digo... Eu vejo o pessoal do trabalho sempre procurando ser seu amigo...
- Não costumo confiar em qualquer um. – interrompi-o.
- Talvez seja isso que te deixe assim, sozinha.
- Talvez seja isso que me torne seletiva. – retruquei dando uma piscadela e voltando a encarar o mar selvagem. Via as ondas debatendo-se cada vez com mais força nas pedras, mas mesmo diante de tal provocação ambiental, eu estava impassivelmente calma, relaxada. Isso era evidente nos meus músculos faciais, estranhamente descontraídos.
Joe riu alto e copiou o meu gesto, também voltando a encarar o mar verde e espumoso.
- Não entendi a risada. – retruquei.
- Você acabou de dizer que confia em mim e que eu não sou qualquer um. – disse em tom convencido. Sorri sem graça, sempre me esqueço de ler minhas próprias entrelinhas quando estou com ele. Muito problemático, eu sei. Baixei a cabeça e mordi meu lábio inferior.
- Eu gosto de você – admiti quase num sussurro. – só não sei se isso é bom ou ruim.
Sorrindo largamente, Joe virou meu rosto para si, segurando meu queixo com seus dedos gélidos. Logo sua respiração soltava um filete de ar quente perto da minha boca.
- Acho que agora você já pode dizer que a recíproca é verdadeira, ta no script. – sussurrei risonha, talvez um pouco nervosa também, mas não deixando transparecer.
- Intensamente v... – a fala de Joe fora interrompida por uma grossa gota d’água que caiu no exato espaço entre nossas bocas. Ambos olhamos para o céu, deparando-nos com uma chuva; uma chuva fraca e duradoura. A água fria reanimava espasmos corporais de ambas as partes e o vento havia se tornado um inimigo em nossas vidas. A camisa social de Joe encharcava aos poucos, grudando em seu tronco másculo; e o mesmo acontecia com a camisa quadriculada que eu vestia.
Momento pós-insight, sorri maliciosa e passei a desabotoar minha camisa, levantando-me, explicitando minha nudez e o sutiã branco, o mesmo do dia anterior.
- O que você está fazendo, mulher? – perguntou-me confuso.
Não respondi, apenas sorri mais largamente, provocante, e mordi levemente minha própria língua, de um jeito maroto, moleque. Deixei que a blusa escorregasse pelos meus ombros, caindo pela minha cintura e puxando-a para fora do corpo. Vi a boca dele se abrir levemente num "O" perfeito e seus olhos brilharem em luxúria e tesão; não podia ser diferente. Era eu, uma mulher com apenas um sutiã branco molhado sobre seios jovens, um corpo molhado pela mais gelada água doce e algo o qual eu chamei de saia, cobrindo apenas o que tinha que cobrir (entretanto eu tinha certeza de que Joe já imaginava que aquele pedaço de pano havia perdido sua utilidade).
Chamei-o com o dedo, fazendo-o levantar perigosamente perto do meu corpo – e vagarosamente.
- Sempre surpreendente – falou com sua voz sensualmente masculina. Que tipo de voz era aquela? Será que existia algo mais torturante que a completa hipnose de um Deus Grego? Um Deus louco por mim. Por mim, eu, Demi Lovato. A designer, a funcionária, a nada mais. Adorável.
Os lábios de Joe desenhavam os contornos da minha barriga e sua língua deslizava toda aquela temperatura impossivelmente gostosa por toda aquela extensão. Aos poucos se levantava, chegando ao meu colo e pescoço – depositando algumas mordidas aqui – enfim aos meus lábios, enfim
- Tire a blusa também. – disse sorrindo enquanto nossos lábios ainda se tocavam.
- Por quê? – perguntou desconfiado.
- O calor passa melhor de um corpo pro outro se você tirar essa blusa gelada.
- Ah... – riu – entendo.
Joe logo tirou aquela blusa (irritante) e chocou seu tronco nu com o meu, fazendo-me arrepiar e soltar um gemido abafado.
- Melhor. – disse em seu ouvido. Em questão de milésimos de segundos nossos lábios estavam colados de novo; minhas mãos passeavam pelas suas costas, vez ou outra descansando sobre a barra da sua calça; as dele estavam completamente indecisas, ele as deslizava facilmente por toda extensão possível do meu corpo. Sentia-o excitar cada vez mais, e o beijo não estava mais em uma melodia calma. Sugeria um rock como trilha sonora, ou uma daquelas músicas techno que estimulam pessoas drogadas a ficar mais doidas ainda.
- Acho que não ta funcionando muito. – interrompi o beijo, fazendo-o bufar.
- E você, por acaso, tem alguma sugestão?
- É claro, sou a melhor funcionária, certo? – sorri convencida – O plano B é usar atrito. Não sei se você me entende, mas atrito produz calor.
Joe tinha seus olhos fixos no meu e um sorriso bobo nos lábios. Eu podia ler toda a sua mente, ele não precisou dizer nada. Soltamo-nos, catamos as blusas e sapatos e seguimos em direção à linda e adorável Land Rover. Por troca de olhares havíamos trocado a seguinte mensagem: Vamos testar a suspensão do carro.